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Festa do Batismo de Nosso Senhor

Homilia Dominical do Reverendo Arthur Cavalcante 

Textos bíblicos: Isaías 42:1-9; Sl 89; Atos 10:34-38; Mateus 3:13-17.

Igreja Anglicana 

Quando ouvimos falar a palavra Batismo, muitas imagens surgem em nossas lembranças: velas, água, crianças, vestes brancas, padrinhos e madrinhas, sacerdote, festa, família, etc. Contudo muitos não compreendem o real significado para a vida, para o dia a dia. Parece que o Batismo é apenas um fim em si mesmo e que deverá ficar assim no passado, no papel, nas lembranças.

Até mesmo dentro das igrejas há uma dificuldade na compreensão sobre o batismo. Em cerimônia realizada no dia 15 de novembro de 2007, no Mosteiro de São Bento, São Paulo, representantes da Igreja Católica, Episcopal Anglicana, Confissão Luterana, Presbiteriana Unida e Sirian-Ortodoxa, assinaram o documento de reconhecimento mútuo do Batismo. Certamente o passo dado por essas igrejas é significativo, pois buscam uma compreensão mais leal aos textos bíblicos, a antiga tradição apostólica, aos pais da Igreja antiga criando condições de diálogo e unidade nas coisas essenciais. Nossas Igrejas terão pela frente o desafio de incorporar essa idéia de um só batismo no magistério e entre os fiéis.

Continuamos com a Epifania de Jesus Cristo, agora enfatizando o seu Batismo através do olhar da comunidade de São Mateus. A partir desse Batismo é que Jesus iniciará sua missão junto ao povo. Mas o que torna essa passagem Bíblica tão importante para ser lembrada em nossa liturgia dominical? Quais as implicações para os crentes daquela época? Qual a importância para nós hoje que nos encontramos aqui e tão distantes daquele contexto?

Repentinamente somos transportados por Mateus para o rio Jordão onde se encontravam pessoas vindas de Jerusalém e da Judéia interessadas nas palavras e no batismo de João. A cena nos apresenta também Jesus indo em direção a João Batista para ser batizado. Mas porque Jesus escolheu esse rito  e tendo como batizador o seu primo João?

A figura do Batista é extremamente simbólica: Mateus nos apresenta no inicio do capítulo 3 de seu evangelho, vestido de“roupa feita de pêlos de camelo, cinto de couro na cintura; comia gafanhotos e mel silvestre” vers.4. Alguém que não se encontra na cidade, mas no deserto a pregar uma mensagem.

João Batista parecia encarnar bem o espírito dos antigos profetas. Diante do silêncio do profetismo que pairava a muito sobre Israel, eis que no deserto uma voz trovejava: “Arrependei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”. Esse arrependimento era o convite para a metanóia, para uma mudança da mentalidade que deverá deixar de lado a companhia da preguiça, da conveniência, da conivência, da falta de amor. Uma renúncia ao que chamamos de pecado, quer pessoal, quer coletivo, trazendo uma conversão de valores.

Arrependimento e conversão que não se distinguem tão facilmente, mas que estão intrinsecamente ligados. João Batista deixou claro em Lucas 3:11-14 que tipo de conversão estava falando: “Quem tiver duas túnicas, reparta-se com aquele que não tem, e quem tiver o que comer, faça o mesmo (...)” Aos publicanos ele disse: “Não deveis exigir nada além do que vos foi prescrito” (...) Aos soldados ele disse: “ A ninguém molesteis com extorsões (...) contentai-vos com o vosso soldo”. Era a conversão que apelava aos representantes do judaísmo de sua época. Chegou a chamar os fariseus e saduceus de “raça de víboras”: aos primeiros nada adiantava uma fé perfeita na tradição oral, equipada de regras que dirigiam minimamente as rotinas diárias. Albert Nolam em sua obra “Jesus Antes do Cristianismo” publicado pela Vozes,  classificará a moral dos fariseus de “legalista e burguesa, uma questão de recompensa e castigo - Deus amava e recompensava os que cumpriam a lei, e detestava e castigava os que não a cumpriam” pág. 28. Nada mais de que uma visão mesquinha de Deus.  Quanto aos saduceus, observadores da tradição escrita da lei - conservadores que não aceitavam as novidades, se dedicavam mais a luta pelo poder e prestígios - “os castigos e as recompensas eram recebidos nessa vida”  pág. 29.  Hoje é facil reconhecer esse falso ensino nos discursos de muitos Silas e Felicianos e que encontram eco nos corações duros, odiosos, mal amados.

Já se praticava o batismo no judaísmo e nas religiões da época, mas a diferença do batismo de João estava justamente na sua proposta de trazer ao rito um elemento ético. O batismo de João representava a iniciação daquelas pessoas que aguardavam a vinda do Messias, que não se conformavam com a estrutura política-social-religiosa  a muito corrompida.

João Batista que não se rendeu ao poder: criticou duramente o Rei Herodes por sua conduta, rendendo sua decapitação. A sina de João, era a sina que perseguia os profetas: a de apontar as injustiças cometidas, de ser consciência do povo e da religião e de sofrer o martírio consequentemente por causa do discurso.

Esse é o homem a quem Jesus foi procurar como referencial de integridade. Jesus foi ao encontro de João para ser batizado, cumprindo assim toda a justiça. De repente, o texto do evangelho faz com que o nosso olhar seja desviado de João Batista e da cena do batismo de Jesus, apontando para o céu donde ecoa a voz :“Esse é o meu filho amado...”. O batismo feito por João parece se perder diante dessa cena... há um outro batismo superior vindo do Espírito e que irá acompanhar Jesus em sua missão. 

O batismo como vimos poderá ter muitos significados. Assim como as igrejas citadas acima entraram em acordo sobre o que é o batismo, assim como Jesus escolheu precisamente o batismo de João, nós também somos convidados a escolher, não o re-batismo, mas o significado que terá para nossa disciplina espiritual.

Ao lembrar o batismo de Jesus, precisamos recordar do nosso compromisso feito na Aliança Batismal. Além de recordar o Credo dos Apóstolos com o qual estamos tão familiarizados pela recitação dominical, encontraremos três ações que nos ajudarão a “cumprir toda a justiça”: Primeiramente a ação de permanecer na doutrina apostólica, no partir do pão e nas orações. Segunda ação de proclamar por palavra e exemplo, as boas novas de Deus. E por fim, a ação de defender a justiça, paz e dignidade a todas as pessoas.

2014 acaba de iniciar e estamos nos seus primeiros dias de vida do Ano Novo. Tempo para corrigir nossas ações e direcionarmos nossas intenções. Contudo passa ano e entra ano e nos atrapalhamos na correria da vida, dando prioridade a coisas não tão importantes. Já que estamos no clima de colocar nosso “Plano de Governo para o Novo Ano” porque não colocar na agenda de intenções o compromisso com Jesus na comunidade? Tenhamos em mente a herança espiritual recebida em nosso Batismo para que possamos fazer o que é necessário com a ajuda de Deus. Estejamos atentos ao ensino dos Evangelhos para que alcancemos corações mais sábios. Amém.