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Dia Internacional da mulher: uma conquista ou uma vergonha?


Dia Internacional da mulher: uma conquista ou uma vergonha?


Mulher em tempos de ressurreição


*Por Ester Leite Lisboa


Homilia realizada no dia 07 de março de 2010 na Paróquia da Santíssima Trindade.


3º Domingo da Quaresma


Ester Leite Lisboa


Saúdo a todos e a todas lendo uma passagem bíblica que se encontra no Livro de Isaías capítulo 62, versículo 1º que diz:


Não me calarei e não me aquietarei, até que saia a sua justiça como um resplendor, e a sua salvação, como uma tocha acesa.


O período da Quaresma é um tempo de Paixão e Morte de Jesus Cristo para sua Ressurreição. Podemos afirmar que não existe ressurreição sem morte, mas existe morte sem ressurreição, dependendo de como encaramos a Quaresma em nossas vidas. Neste período de contrição pela Paixão e Morte de Jesus Cristo é um desafio necessário falar sobre nossa espiritualidade. Aliás, falar não é o suficiente. É preciso viver, desenvolver, criar, co-responsavelmente, a cultura da solidariedade, da unidade e da paz.


Vivemos num mundo cheio de situações tão conturbadas, adversas e contraditórias. Parece que estamos em constantes guerras, que se apresentam nas mais diferentes formas: tsunamis, terremotos, fome, desemprego, desigualdade e injustiça social. Ah! E como não falarmos também do preconceito, da disputa de poder, da exclusão, da violência nas mais diferentes formas e modalidades que agridem a dignidade humana.


Meus irmãos e irmãs estamos nos acostumando com a miséria e com a violência. Às vezes, a violência se manifesta em nosso silêncio. Silêncio utilizado inicialmente como recurso temporário para evitar o confronto, mas se transforma ao passar do tempo em arreio que emudece e imobiliza o corpo. Outras vezes, ao contrário, a violência está na impossibilidade de silenciar, de abdicar da ânsia de tudo dizer – não importando as conseqüências que isso tenha.


Meus irmãos e minhas irmãs, o lugar para vivenciar os afetos, as amizades, o respeito mútuo, a confiança, está cada vez mais restrito.


O texto de Isaías 62, nos alerta e pede que nesse tempo de Quaresma repensemos o nosso silêncio, pois o texto proclama: “Não me calarei e não me aquietarei, até que saia a sua justiça como um resplendor, e a sua salvação, como uma tocha acesa.”


O ano passado fui convidada para coordenar o Centro de Referência da Mulher na Cidade de São Paulo. Que desafio!  Falar sobre violência da mulher, buscando nos livros e revistas é fácil, mas conviver com ela diariamente, ouvir, ver e buscar dentro da gente uma reação é outra coisa. Que poderia ser o silêncio ou a indignação que nos faz falar, reagir e buscar caminhos.Diariamente eu me confrontava e me perguntava: Como pode? Onde tudo isso começa? Mas, estava eu trabalhando com mulheres de diferentes classes sociais e precisava entender qual o conhecimento que nós mulheres e homens recebemos no decorrer de nossas vidas que justificam tal comportamento.


Penso que poderemos refletir o quanto fomos educados e educadas para achar a violência algo normal. Se lembrarmos das músicas infantis que aprendemos em nossa infância, por exemplo:


Vem cá, Bitu! Vem cá, Bitu! Vem cá, meu bem, vem cá! Não vou lá! Não vou lá, Não vou lá! Tenho medo de apanhar...


Quem foi o adulto sádico que criou essa rima?


A canoa virou, quem deixou ela virar, foi por causa da (nome de pessoa) Que não soube remar...


Ao invés de incentivar o trabalho de equipe e o apoio mútuo, as crianças brasileiras são ensinadas a dedurar e a condenar seu semelhante.


Samba Lelê tá doente, tá com a cabeça quebrada. Samba Lelê precisava é de umas boas palmadas...


Pessoa doente precisa de ajuda e apoio, mas a música diz que ela precisa de palmadas!


E, como esquecer: O cravo brigou com a rosa. Debaixo de uma sacada. O cravo saiu ferido e a rosa despedaçada. O cravo ficou doente, a rosa foi visitar. O cravo teve um desmaio. A rosa pôs-se a chorar.


Desgraça, desgraça, desgraça! E ainda incita a violência conjugal (releia a primeira estrofe).


Meus irmãos e minhas irmãs: Precisamos lutar contra essas lembranças e essa educação.  Nossos filhos, nossos netos merecem uma nova visão de relação entre homens e mulheres. 


Mas, nos tornamos adultos, mudamos o nosso gosto pela música, e aí? Nada! As músicas que são tocadas nas rádios promovem a mesma relação de violência.


Você não vale nada, mais eu gosto de você/ Você não vale nada mais eu gosto de você.


Bom, esses são bons exemplos do autêntico chavão sádico de que a mulher gosta de apanhar, de sofrer. Aliás, maus exemplos não faltam.


Trazer a reflexão hoje, pelo Dia Internacional da Mulher, durante a Quaresma é dizer: Passou da hora de fazermos diferente!


Passou da hora de fazermos de conta que somos crentes que não carregam a cruz junto aos que sofrem. Paixão e Morte, sim! Mas da nossa inércia e apatia frente à realidade que grita estampada em nossos olhos.


Mulheres crucificadas


Vocês sabiam que no Brasil, a cada 15 segundos uma mulher é espancada? São 5 mil mulheres por dia. Muitas delas morrem. Treze por cento das mulheres brasileiras são abusadas e estupradas pelos próprios maridos.


A casa já não é mais um lugar seguro e de proteção, o lar é hoje o principal palco de violência contra a mulher.


Lembrando das mulheres negras que sofrem ainda maior discriminação, são mais pobres, e tem menos acesso à educação.


No Brasil, a violência contra a mulher é considerada uma epidemia. Como tal, ela é um problema da sociedade toda e é, além de uma questão de saúde pública, um problema sócio cultural e religioso.


Muitas mulheres procuram ajuda em aconselhamentos, por vezes aconselhamentos pastorais, para saber como poderiam aprender a serem mulheres mais perfeitas, melhores esposas, melhores mães e donas de casa.


Com esse pedido de socorro, elas buscam encontrar saídas para entender e suportar melhor o homem que bate nelas. As mulheres continuam acreditando que elas apanham “porque não são boas o suficiente”.


Assumem sozinhas os pecados da humanidade. Aquela história do pecado original, do fruto proibido, da mulher... Lembram?


Anos de humilhação e violência geram uma depressão tão grande que as mulheres não conseguem imaginar uma vida diferente. Nós precisamos proclamar a essas mulheres, que a vida pode ser diferente, pode encontrar felicidade, pode encontrar saúde para seus corpos.


O melhor sentimento que mulheres e homens devem alimentar é o sentimento da indignação. Precisamos nos indignar com as injustiças, com os absurdos. Precisamos estar indignados para nos movermos e sairmos da inércia.


É importante que as vítimas não se calem, denunciem para que também o agressor possa ser ajudado.


Diariamente, as mulheres sofrem diferentes formas de violência, por vezes sutis, que mal percebemos, mas que consomem e provocam doenças.  Podemos falar da violência física, psicológica e sexual, mas neste espaço do sagrado, quero alertar sobre a violência religiosa. Bom, aqui fica mais sério ainda esta reflexão. Mas considero necessária. Aqui não falamos de uma determinada denominação religiosa, mas sim falaremos de realidades, de fatos que acontecem. Não podemos perder de vista que as mulheres que freqüentam uma Delegacia da Mulher ou uma organização de apoio a mulheres vítimas de violência, freqüentam alguma comunidade religiosa e por vezes são vítimas de seus esposos, companheiros que freqüentam e são dirigentes em uma comunidade religiosa.


Segundo Dulce Xavier das Católicas pelo Direito de Decidir, em muitas igrejas é reforçada a idéia de que a mulher tem de servir o homem: "Ele é o provedor do lar e tem o papel de disciplinador da mulher e dos filhos. E sua mudança de comportamento em casa se dá porque, para ele, uma coisa é conviver na sociedade e outra é a relação dele com a mulher."



É comum a mulher ser induzida, pela liderança da igreja, a silenciar sobre a situação de violência e não receber acompanhamento pastoral adequado. E, não poderia faltar a culpabilização da mulher pela entrada do mal na criação, causadora da morte e do pecado. É comum fazer uso de textos bíblicos específicos para desqualificar ou impedir a participação religiosa e plena, negando às mulheres a potencialidades e participação no discipulado. Tais textos são interpretados de uma forma incorreta e aplicados para favorecer apenas um lado.


Estamos no período de Quaresma, um bom momento para reafirmarmos os direitos humanos em todas as suas dimensões.


Promover a igualdade de direitos, enquanto caminho de construção de relações justas e amorosas, promover o diálogo em situações de conflitos.


Onde há violação de direitos humanos, impera ódio, ganância, violência, opressão e seus mecanismos de discriminação e subordinação.


Nós pessoas cristãs devemos denunciar situações e sistemas que causam e originam a falta da paz, agredindo a dignidade da vida, como sendo pecado.


É necessário afirmar a vida plena como nosso referencial primeiro, dádiva de Deus para ser vivida abundante e pacificamente. Quando esta vida for machucada, devemos como crentes e como igrejas, denunciar estas violações que nomeamos pecado contra Deus e contra o próximo.


Uma mulher em situação de violência, dificilmente consegue romper o ciclo de violência, sem uma rede de apoio e ajuda.  Esta rede deve ser formada por organizações públicas e não públicas, família, amigos e a instituição religiosa. 


Termino, lembrando mais uma vez, que estamos no período da Quaresma e, portanto precisamos nos compadecer e morrer com as dores desse mundo, mas devemos criar espaços de ressurreição. Igrejas que promovam a igualdade de direitos e o direito de ser feliz!


 Deus abençoe a todos e todas!


 *Ester Leite Lisboa: Assistente Social e Coordenadora do Escritório de Koinonia na Cidade de São Paulo. É leiga da Paróquia da Santíssima Trindade. Email: Ester Lisboa saudedireitos@koinonia.org.br