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Quem Cuida de Quem Cuida?


Obesidade, Hipertensão e Depressão: os Principais Problemas do Clero Atual


A reportagem é de Paul Vitello, publicada no jornal The New York Times, 01-08-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.


Os especialistas em saúde pública que conduziram os estudos advertem que não há uma explicação simples sobre por que tantos membros de uma profissão uma vez associada à longevidade se tornaram tão insalubres e infelizes.

Mas enquanto as pesquisas continuam, um número crescente de especialistas em saúde e líderes religiosos se decidiram por um remédio simples que tem sido um assunto delicado entre muitos clérigos: tirar mais tempo livre.

"Nós tivemos um pastor no nosso grupo de estudo que não tirava férias há 18 anos", disse Rae Jean Proeschold-Bell, professor assistente de pesquisa em saúde da Duke University, que dirige um dos estudos. "Essas pessoas tendem a ser estimuladas por um sentido de dever diante de Deus de responder a todos os pedidos de ajuda de qualquer pessoa, e eles são chamados praticamente 24 horas por dia, todos os dias da semana".

Assim como os telefones celulares e as mídias sociais expõem o clero a novas dimensões de estresse, e como as despesas com saúde sobem, algumas das maiores denominações religiosas dos EUA começaram campanhas de bem-estar que pregam as virtudes de "dar uma saída". Isso foi descrito por alguns especialistas em saúde como uma espécie de movimento "slow-food" para a alma clerical.

Na Igreja Metodista Unida, nos últimos meses, alguns administradores da Igreja contataram ministros – conhecidos por abrir mão de suas férias – para se certificarem de que eles agendaram esse tempo, disse Proeschold-Bell.

Essa Igreja, a maior denominação protestante do país, abriu caminho para uma diretiva de 2006, que exortou fortemente os ministros a tirar todas as férias a que tinham direito – uma prática até então quase desconhecida em algumas congregações mais ocupadas.

"O tempo fora pode trazer uma renovação", dizia a diretiva, "e ajudar a prevenir o esgotamento".

As Igrejas Episcopal, Batista e Luterana empreenderam iniciativas de saúde que dão ênfase especial à necessidade dos pastores de tirar férias e observar os "dias sabáticos", seus dias de folga durante a semana, em vez dos domingos.

A Lilly Endowment, fundação filantrópica com sede em Indiana, concedeu doações de até 45 mil dólares a centenas de congregações cristãs nos últimos anos, dentro de um projeto chamado Programa Nacional de Renovação do Clero, com a finalidade de dar períodos sabáticos mais extensos aos pastores.

E embora a recente pesquisa tenha se centrado em grande parte em Igrejas protestantes, alguns líderes judeus começaram a incentivar os rabinos a tirar períodos de folga.

"Nós agora recomendamos três ou quatro meses a cada três ou quatro anos", disse o rabino Joel Meyers, ex-vice-presidente executivo da Assembleia Rabínica, a associação internacional dos rabinos conservadores. "Há uma profunda preocupação com o estresse. Espera-se hoje que os rabinos sejam o diretor-executivo e o guia espiritual da congregação e que nunca estejam fora da cidade se alguém morrer. E que respondam instantaneamente a todos os e-mails".

Alguns ministros cristãos evangélicos não denominacionais adotaram uma abordagem similar, descrita em dois livros best-sellers pelo Rev. Peter Scazzero, pastor da Igreja New Life Fellowship, de Elmhurst, Queens.

Scazzero, 54 anos, é o líder não oficial de uma crescente contracultura entre os pastores independentes que rejeitam a ética do crescimento constante, que tem contribuído para a explosão das chamadas mega-Igrejas.

Nos livros, "Emotionally Healthy Spirituality" [Espiritualidade emocionalmente saudável] e "The Emotionally Healthy Church" [A Igreja emocionalmente saudável], ele defende mais tempo de férias para os membros do clero, a observância do sábado e um "ritmo de parada" [rhythm of stopping], ou oração diária, que ele aprendeu com a ordem silenciosa dos monges trapistas.

Scazzero disse que a depressão e a alienação com relação à sua esposa e a seus quatro filhos o levaram, poucos anos atrás, a tentar viver de maneira mais consciente e menos compulsiva.

"É difícil levar uma vida contemplativa no Queens Boulevard", disse Scazzero. "Mas o insight que eu tive com os trapistas é que ser muito 'ocupado' é um impedimento para o relacionamento pessoal com Deus".

Estudos da saúde do clero dizem que muitos clérigos têm "problemas de limites" – definidos como a tendência a ser facilmente superado pela urgência das necessidades das outras pessoas.

A Dra. Gwen Wagstrom Halaas, médica familiar casada com um pastor luterano e autora de um livro de 2004 que dispara o alarme com relação à saúde do clero ("The Right Road: Life Choices for Clergy" [O caminho certo: Escolhas de vida para o clero]), descreveu o problema como uma percepção errônea do serviço a Deus.

"Eles acham que cuidar de si mesmos é ser egoísta, e que servir a Deus significa nunca dizer não", disse.

Tendências sociais mais amplas, como o envelhecimento e a diminuição das congregações, a disponibilidade cada vez menor de voluntários na era dos lares de duas rendas e a probabilidade de que a esposa de um pastor tenha uma carreira própria também levam alguns ministros a irem além de seus próprios limites, disse a médica.

A High Mountain Church of the Nazarene, em North Haledon, New Jersey, começou com 25 membros há 10 anos e cresceu para 115, antes que o seu pastor, Rev. Steven Creange, notasse tensões em seu casamento e decidisse ir mais devagar.

Creange disse que ele e sua esposa se sentem magnificamente descansados – e muito mais felizes – desde que começaram a observar os períodos sabáticos nas sextas-feiras e dando algumas escapadas ocasionais nos finais de semana.

"Eu simplesmente não vou mais a todas as formaturas e a todas as primeiras comunhões", disse. "E as pessoas aceitam isso".

Em maio, o Clergy Health Initiative, um estudo de sete anos que a Duke University inciou em 2007, publicou os primeiros resultados de uma pesquisa contínua com 1.726 pastores metodistas da Carolina do Norte. Comparados com os vizinhos dos seus bairros, os ministros apresentaram taxas significativamente mais altas de artrite, diabetes, hipertensão e asma. A obesidade foi 10% mais prevalente no grupo clerical.

Os resultados ecoaram pesquisas internas recentes da Igreja Evangélica Luterana na América, que descobriram que 69% dos seus pastores relataram estar acima do peso, que 64% têm pressão arterial elevada, e que 13% tomam antidepressivos.

Uma pesquisa de 2005 sobre o clero realizada pelo Conselho de Pensões da Igreja Presbiteriana também tomou nota especialmente de uma quadruplicação do número de pessoas que abandonam a profissão durante os primeiros cinco anos de ministério, em comparação com os anos 70.

Os clérigos da Igreja Católica Romana e muçulmanos disseram que os sintomas parecem familiares.

"Nós temos todos estes problemas, mas os imãs são relutantes em expressá-los, porque isso parece um sinal de fraqueza", disse o Imã Shamsi Ali, diretor do Centro Muçulmano Jamaica, no Queens. "Além disso, as mesquitas não pagam muito, e muitos deles tem dois empregos".

O Código de Direito Canônico católico exige que os sacerdotes – "a menos que haja uma grave razão em contrário" – façam um retiro espiritual todos os anos e tirem quatro semanas de férias.

Esse regulamento sobre as férias tem levado o Mons. Gus Bennett, do Brooklyn, a fazer uma viagem a cavalo para acampar no interior do Wyoming com seus amigos todos os anos há 30 anos.

Mons. Bennett, 87 anos, advogado canônico, agora semiaposentado, que passou a maior parte de seus anos de trabalho definindo e administrando o plano de aposentadoria para sacerdotes e funcionários leigos da Diocese do Brooklyn, diz que sempre sentiu que o seu lado religioso ficava mais vivo durante aquelas noites no Wyoming, "dormindo no chão, debaixo de toda a criação".

Ele não sabe como isso afetou sua saúde. "Eu só sei que isso tornava mais fácil o fato de voltar e pular para dentro dos livros", disse.