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Palavras do Reitor sobre os Cinco anos de Pastorado na Trindade


Carta Pastoral lida publicamente na Paróquia da Santíssima Trindade no dia 19 de setembro de 2010


Reverendo Arthur CavalcanteNo dia 18 de setembro completo a primeira fase de meu pastorado à frente da Paróquia da Santíssima Trindade.  Foram cinco anos dedicados a uma comunidade anglicana no centro de uma grande metrópole. As lutas foram grandes e continuam sendo desafiador construir uma pastoral relevante para essa parcela do Povo de Deus.


Antes de comentar sobre o contexto na Santíssima Trindade desejo falar um pouco sobre minha vida pastoral e as relações estabelecidas com os fiéis. Em cada comunidade anglicana que tive de pastorear em nove anos de ordenação fui muito enriquecido pelas vidas das pessoas, de fiéis servidoras de Jesus Cristo. Em cada comunidade aprendi como desenvolver um ministério pastoral sem precisar transformar o Evangelho em um produto mercadológico. Estar perto do povo é extremamente enriquecedor para um pastor. Pude vivenciar todos os ritos de passagem da vida humana dentro de uma igreja. Em um mesmo dia pude celebrar um batizado de um pequeno bebê e mais tarde consolar uma família enlutada, procurando buscar um auto-equilíbrio em situações extremas. Em todas as comunidades tive que lidar com suas potencialidades e suas limitações. Mesmo assim, sempre vi a mão de Deus cuidando do meu ministério através das mãos do povo, dos olhares carinhosos, das palavras amigas e dos gestos mais nobres. Tenho enorme gratidão por todas essas comunidades pelas quais passei e delas carrego na minha bagagem esse tesouro incalculável.


A Paróquia da Santíssima Trindade surge em um momento muito especial de minha vida e para isso quero expor alguns fatos que muitos não conhecem de um momento particular. Trago algumas lembranças do processo de disciplina no qual fui vítima das ex-lideranças clericais da Diocese Anglicana do Recife à qual servi em momentos muito difíceis. No ano de 2003, por me posicionar contra a postura fundamentalista de limpeza teológica, uma espécie de inquisição em nome de Deus, tive minha vida pessoal exposta inescrupulosamente aos quatro cantos do Brasil e da Comunhão Anglicana.  Aquilo que seria terrível para vida de um jovem reverendo em início de seu ministério só se transformou em bênçãos divinas. Fui acolhido pela Diocese Anglicana de São Paulo, a qual reservo a minha gratidão. Agradeço a Deus por conservar minha fé e minha sanidade emocional e ao mesmo tempo poder superar todas as maldades daquelas pessoas. Hoje desejo sinceramente que essas pessoas possam experimentar a graça divina e descobrirem dentro de si a paz de suas consciências.


A eleição para a reitoria da Trindade, em julho de 2005, trouxe surpresas pela dignidade como foi realizada. Primeiramente foi instalado um processo que buscava um perfil de pároco para a comunidade. Logo após foi indicado meu nome dentro de uma lista de candidatos para uma sabatina com representantes da paróquia. Nesse dia fizeram muitas perguntas e muitas curiosidades foram esclarecidas. Fiz também colocações sobre meus posicionamentos pastorais e teológicos, dentre eles sobre a diversidade sexual dentro da sociedade e em especial, nas igrejas. Tive a oportunidade de me colocar diante daquelas pessoas sobre minha condição homo afetiva aberta, não clandestina, não marginal e que não estava pedindo pelo amor de Deus para que fosse aceito. Caso fosse eleito todos sabiam quem de fato estavam escolhendo para cuidarem da espiritualidade dos fiéis. Pensei que depois de expor tudo isso não teria nenhuma chance de ser eleito. Dias após tive a grata surpresa em saber que meu nome tinha sido escolhido para ser o Reitor de uma das paróquias mais tradicionais da Igreja Episcopal do Brasil.


As reações contrárias foram violentas. Recebi ameaças por telefone quando ainda estava em Campinas caso fosse para São Paulo. Fui agredido através de mensagens no Livro de Visitas do site da paróquia. Até a minha ex-diocese divulgou em seu site um relatório sobre minha eleição, para mostrar ao mundo o avanço do que eles chamam de “liberalismo teológico”. As apostas foram muitas para que tudo desse errado .


As reações de grupos e de pessoas também se fizeram presentes em franca oposição. As piores reações não foram dos que já tinham conhecimento, mas  a dos que agiam sutilmente. Muitos que podiam ajudar adotaram o silêncio como resposta. Soube de algumas histórias, uma delas foi a de que em breve a Paróquia iria fechar  as suas portas. É bem verdade que recebi uma comunidade fragilizada, com pouca gente, com muitas despesas e muito com problemas pastorais. Talvez muitos a classificassem como uma “uma igreja falida” e eu seria quem iria acabar com o que havia restado. Mesmo diante de tudo isso, algo interessante acontecia. Da terra arrasada mais uma vez Deus se fez presente através de seu cuidado para comigo e com os fiéis.


Foi marcante receber na celebração de posse de reitor no dia 18 de setembro de 2005, numa manhã muito fria, pessoas como o Dr. Jaci Maraschin, o Sr. Anivaldo Padilha e algumas representações de leigos de outras paróquias e até de outras igrejas.  Todos eles estavam juntos com os poucos paroquianos presentes. Essa energia foi o suficiente para enfrentarmos os desafios que estariam por vir em meu pastorado.


Não me arrependo de exercer meu ministério juntamente com o povo da igreja. Não me arrependo em não seguir “os modelos de igrejas que dão certo” que só mostram a incapacidade de muitos pastores em cuidar dignamente do rebanho. Esses modelos muitas vezes são massificantes que sufocam as potencialidades da comunidade local impondo o controle das chamadas “grandes igrejas”.   Não me arrependo em buscar na própria comunidade os recursos para mantê-la autônoma sem apelar para as missas-shows que se reúnem em torno de personalidades carismáticas. Não me arrependo em ter investido pastoralmente nas pessoas e de implementar um Planejamento Estratégico onde todos se sentem responsáveis pela igreja.


A maior riqueza da Paróquia da Santíssima Trindade não está nos seus 86 anos de existência e nem em seu cobiçado templo, mas nas pessoas que fazem parte da comunidade. Essa é a compreensão que tenho nas palavras do evangelho ao apontar para o ideal do Bom Pastor e da sua relação com o Rebanho.


Em cinco anos de trabalho pastoral não teria sido relevante sem a presença da Junta Paroquial e das lideranças leigas. Ambas são importantíssimas para um bom caminhar de um pároco em uma paróquia.


Hoje o prédio da Paróquia da Santíssima Trindade espelha a comunidade que ali trabalha para o Reino de Deus. As estruturas físicas da igreja estão funcionando para atender qualquer atividade pastoral e comunitária. Os vitrais da entrada da paróquia estão praticamente todos reparados. Eles não apontam mais para o abandono, para o descaso. Dos cacos e dos retalhos reconstruímos o imenso painel de Maria Leontina, obra das gerações de fiéis do passado. São sinais que mostram a presença viva de Jesus Cristo na Paróquia. Nossos idosos podem ver agora que todo o investimento de décadas atrás não foi em vão. Hoje podemos ver e ouvir crianças e jovens participando de nossas celebrações. A igreja da Olavo Bilac não só cresce em número de membros, mas principalmente em cristãos, com uma identidade profundamente anglicana (octogenária!!!) e comprometida com o Evangelho, que se desdobra na busca pela justiça, na preservação do direito, da prática da inclusividade e do andar ecumênico. Creio que podemos dizer: “Até aqui nos ajudou o SENHOR!”


Finalizo essa síntese sobre meu pastorado, com as palavras da Coleta de Ordenação realizada pelos bispos na ordenação de seus ministros. Sempre recito essas palavras quando me acho incapaz de realizar a obra de Deus. Muitas vezes usei essa coleta como oração quando sofri as perseguições em Recife, e foi imposta a lei canônica da disponibilidade pastoral. Fiquei injustamente impossibilitado de realizar minhas funções presbiterais e ao mesmo tempo tive de respeitar a disciplina episcopal. Mais tarde pude usar esta Coleta de Ordenação em meu sermão de posse como Reitor da Trindade. É com essas palavras que me dirijo a Deus diante de mais um desafio de um segundo mandato pastoral.


Ó Deus, de poder imutável e luz eterna, olha com favor para toda a Tua Igreja, este maravilhoso e sagrado mistério; pela operação eficaz de Tua providência, leva a cabo com tranqüilidade o plano da salvação; faze que todo mundo veja e conheça que as coisas que foram derrubadas são levantadas, as coisas que têm envelhecido são renovadas, e que todas as coisas estão sendo levadas à sua perfeição mediante Aquele por quem foram feitas, Teu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina Contigo, na unidade do Espírito Santo, um só Deus, pelos séculos dos séculos. Amém”.