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"Ide para a Galiléia...lá vocês vão vê-lo"


“Ide para a Galiléia… Lá vocês vão vê-lo”


 


Reverendo Dr. Pedro TrianaReverendo Dr Pedro Triana










Sermão de Páscoa na Santíssima Trindade 2011 


Textos: Atos 10,34-43; Salmo 118,14-29; 2 Col 3,1-4; Mateus 28,1-10


 


Estamos na festa da Páscoa. A maior festa dos cristãos. Maior ainda que o Natal. Pois a grandeza do Natal depende da festa da Páscoa. Hoje celebramos a vida que venceu a morte: Cristo ressuscitou! 


E a palavra de Deus que ouvimos hoje é a proclamação de uma crença: uma fé. Por isso, não vou perder meu tempo tentando provar para os céticos e incrédulos a ressureição de Cristo. Os evangelistas e os primeiros discípulos e discípulas nunca perderam seu tempo tentando explicar como ou o quê aconteceu propriamente com o corpo físico de Cristo. Realmente os evangelhos não explicam a ressurreição; é a ressurreição que explica os evangelhos. 


Páscoa Igreja Anglicana 


Dessa maneira, nossa fé na ressurreição de Jesus, causa de nossa esperança, baseia-se na fé e no testemunho dos primeiros discípulos. Embora ninguém tenha visto sua ressurreição, a comunidade dos primeiros discípulos percebeu e compreendeu, aos poucos, no encontro com o Senhor e pela ação do Espírito, que seu Mestre continuava vivo entre eles. Portanto, não é possível provar a ressurreição com os sentidos e com a razão; sua aceitação está no nível da fé e não da argumentação teórica. A certeza de que Jesus está vivo entre nós é um ato de fé e, acima de tudo, uma experiência de vida.   


Por isso, o que temos a fazer é refletir sobre a importância da ressurreição para a vida cristã. Por um lado, desde o ponto de vista coletivo, ou seja, como comunidade cristã, como seres humanos vivendo em um mundo em transformação, e por outro lado, também refletir sobre a importância e o que significa a ressurreição desde o ponto de vista pessoal para a pessoa que acredita e segue os ensinamentos de Jesus.


Hoje percebemos, como também perceberam os primeiros discípulos e discípulas, que Jesus está conosco. Ele está presente na palavra que ouvimos e meditamos, em cada um de nós, na nossa comunidade reunida e na partilha do pão e o vinho.


Assim, hoje ele nos fala na hora em que são proclamadas as leituras. Vamos tentar recordar brevemente o que ele nos diz.  A liturgia do Domingo da Páscoa oferece vários textos alternativos. Eu vou me referir à narrativa do evangelho Mateus.  


E gostaria começar imaginando......... Vamos imaginar que uma pessoa perdeu um ser muito querido, poderia ser um pai, uma mãe ou um grande amigo. O corpo do falecido é levado ao cemitério e sepultado. E depois? Lógico, vem a saudade! Passam-se os dias. E o que normalmente fazemos? Vamos até o cemitério visitar a sepultura, levar flores, e amenizar, assim, a dor da saudade.


E algo parecido aconteceu com Maria Madalena, e a outra Maria, como narra o evangelho de Mateus. Elas tinham um grande carinho por Jesus. Haviam-lhe seguido desde a Galiléia, prestando-lhe serviços, e certamente tiveram numerosas oportunidades para ouvir os ensinamentos sobre a morte e resurreição de seu Mestre.


E três dias depois que o corpo de Jesus foi sepultado, elas devem ter sentido uma imensa saudade do seu melhor amigo; e foram ao cemitério visitar a sepultura. E era o primeiro dia da semana, ou seja, nosso domingo. E dessa maneira elas serão as primeiras testemunhas da ressurreição de Jesus, como foram de sua crucificação e sepultamento (Mt 27,55-56.61).


Mas ao chegar lá, uma tremenda surpresa e um grande susto. E faço a ressalva que o texto da ressurreição de Jesus no evangelho de Mateus está repleto de elementos simbólicos característicos das grandes narrativas religiosas: um grande terremoto, a pedra tirada do sepulcro, e um anjo, semelhante a um relâmpago e de ropas brancas como a neve sentado nela. Já a narrativa de João fala de dois anjos vestidos de branco (Jo 20,12), enquanto Marcos fala de um moço vestido de branco (Mc 16,5), e Lucas de dois homens vestidos com roupas muito brilhantes (Lc 24,4).


No entanto, a mensagem propriamente dita não se concentra nesses fenômenos e sinais portentosos, mas nas palavras do anjo, ou do moço, ou dos homens, que têm paralelo nos quatro evangelhos: “Não tenham medo!…Agora vão depressa e digam aos discípulos dele… que foi ressussitado dos mortos e vai adiante de vocês para a Galiléia. Lá vocês vão vê-lo”.   


Assim, se introduz a grande mensagem de boa nova que todos merecem e precisam ouvir no meio do temor, a decepção e o pessimismo que tomou conta dos discípulos após a morte de Jesus: “digam/contem…  ele está vivo e vai diante de vocês para a Galiléia”. Assim, preanunciando a dispersão e o abandono dos discípulos Jesus havia prometido que os encontraria de novo na Galiléia (Mt 26,31-32), região do anuncio do Reino, do chamado para a missão.


E comumente não damos valor à importância desse lugar geográfico. A Galiléia dos gentios, do “povo que não tem nem conhece a lei” (Rm 2,14). A Galiléia dos pecadores, dos impuros, dos desamparados; aquela região que de acordo com o preconceito dos judeus, e particularmente dos moradores de Jerusalém, era a vergonha e desonra da nação, a ponto de Natanael responder a Filipe quando este lhe fala de Jesus: “E será que pode sair alguma coisa boa de Nazaré?” (Jo 1,46);  assim como tambiém a resposta dos fariseus a Nicodemos quando ele também lhes fala de Jesus: “Estude as Escrituras e verá que da Galiléia nunca surgiu nenhum profera” (Jo 7,52). E devemos ter em conta que Nazaré era um povoado da Galiléia.


E é muito simbólico e significativo que o evangelista marca o encontro com Jesus ressuscitado na Galiléia onde Ele começou seu ministério proclamando a chegada do Reino de Deus. E com a morte e a ressurreição de Jesus o Reino está inaugurado. É o amanhecer de um novo dia no horizonte da humanidade. O ressuscitado será visto e encontrado onde Ele revelou pela primeira vez a misericórdia de Deus, agindo a favor dos mais fracos da sociedade, fato que o levou à morte.


Em Cristo se pronuncia a última palavra a favor da vida. Deus está do lado de Jesus, do lado dos crucificados de todos os tempos. Nosso futuro está aberto, podemos ser sempre homens e mulheres de esperança, porque com a ressurreição de Jesus, entrou em nossa historia o júbilo de quem venceu a morte, e a alegria de uma vida nova.


Porém, neste dia de júbilo e vitória para todos os cristãos, Deus nos lembra também que a Páscoa de Jesus tem muito a ver com cada um de nós. Ele nos lembra que todos nós fomos batizados, isto é, mergulhados na morte de Jesus e ressuscitados com ele para a vida. Isto significa que a Páscoa de Jesus é também nossa Páscoa. A vitória dele é também nossa vitória. Morremos e a nossa vida passada com Cristo, e nossa vida presente está escondida, com Cristo, em Deus.  


Desta maneira, a participação na morte e ressurreição de Cristo, revestenos de vida nova para trabalharmos por um mundo novo. Fomos enxertados em Cristo ressuscitado para vivermos a vida nova de filhos e filhas de Deus (Rm 6,3-11).


E já que ressuscitamos com Cristo, nada nos resta senão buscar, a todo custo, as coisas do alto, “onde está Cristo, sentado ao lado direito de Deus”, como escreveu Paulo à comunidade de Colossos, quando lhes lembrava que a ressurreição de Cristo é também nossa ressurreição (Col 3,1-2).


Porém, o que significa buscar as coisas do alto? Que coisas do alto? Com certeza, é tudo aquilo que Jesus mesmo viveu, fazendo o bem a todos, a ponto de entregar a própria vida por todos: a justiça, o amor a Deus e ao próximo, a solidariedade, a misericórdia, o perdão, a paz, todo o empenho em favor da vida para todos.


Talvez a maior dificuldade em compreender o poder e a força da ressurreição do Cristo hoje, e encontrá-lo mais vivo do que nunca, reside no fato de que geralmente não nos aprontamos a pôr os pés «na nossa Galiléia de hoje». Preferimos procurá-lo «em Jerusalém». No entanto, não foi a Jerusalém, ao lugar que era o centro do poder político, religioso e econômico, que o anjo enviou os discípulos para encontrar o Cristo vivo. E hoje somos impelidos a correr para anunciar que Jesus ressuscitou e vai à nossa frente na missão, ali onde temos tantas dificuldades para ir: ao encontro dos pecadores, dos sofredores, dos marginalizados, dos diferentes, dos desempregados, dos que não têm voz, das pessoas cuja ética e religião não se enquadram em nosso padrão. E essa talvez seja uma mensagem que pode levantar reações negativas e contrárias em algumas pessoas. Mas esse é, sem dúvida, o cerne da mensagem do evangelho de hoje: “Ide para a Galiléia. Lá vocês vão vê-lo”.  


Que como discípulos missionários de Jesus, a exemplo de Maria Madalena, a outra Maria, e dos apóstolos, nos tornemos hoje testemunhas da ressurreição e experimentemos sua presença na pessoa de cada irmão e de cada irmã, na comunidade reunida pela fé, na Palavra de Deus proclamada, e no Pão e o Vinho partilhado.


Irmãos e irmãs, que Deus nos dê a graça para que, reafirmando nossas promessas batismais, entreguemos de novo nossa vida a Cristo, rogando que a luz de sua ressurreição faça que sempre caminhemos não como filhos e filhas das trevas, mas como filhos e filhas da luz.