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Sobre o Cristianismo e a Morte de Osama bin Laden


"Sobre todas as raças e nações tu governas soberanamente; teu amor maternal e paternal tudo alcança; em tua vontade está a nossa paz e em tua vida está a nossa vida: Porque teu é o Reino, o Poder e a Glória para todo o sempre. Amém"


VI Assembléia Geral do Conselho Mundial de Igrejas 1983- Jesus Cristo, Vida do Mundo



Professor Dr. David Morales


Professor Dr David Morales MartinezA segunda década do século XXI estará caracterizada pelos acontecimentos desdobrados por causa da guerra contra o terror. Isto foi claramente evidenciado a partir das diversas reações provocadas com a confirmação da morte de Osama bin Laden por parte do prêmio Nobel da Paz 2009 e presidente estadunidense Barack Obama. Nesse momento, o mundo ocidental sentiu que realmente existia uma guerra contra o terrorismo internacional e desta vez, o exército dos EUA materializou uma conquista, pois até então, o que tínhamos presenciado eram ataques e atentados das organizações terroristas em alvos estratégicos na Europa e nos EUA. As reações do Ocidente eram traduzidas em invasões e ataques massivos em alguns países previamente selecionados, na procura de um inimigo difícil de achar e de combater. 



As reações em torno da morte do líder da Al Qaeda foram diversas, porém nos EUA, chamou mais atenção em decorrência de três motivos:


Em primeiro lugar, a massiva participação de jovens, quando dos acontecimentos do 11 de setembro, eram ainda crianças e adolescentes que cresceram marcados com o estigma do terrorismo islâmico como inimigo da liberdade norte-americana. Em segundo lugar, o patriotismo exacerbado nas comemorações da vitória contra Al Qaeda seria objeto de crítica na visão de políticos clássicos e até mesmo por interpretações bíblicas.  Por exemplo, Sun Tzu, militar chinês em sua obra A Arte da Guerra, escrita há mais de dois mil anos, já falava que o guerreiro não deveria se alegrar com a derrota do inimigo pois isso o deixaria ainda mais furioso o que seria um forte motivo para articular rapidamente a sua vingança. Já no texto do Livro de Provérbios capítulo 24, versículo 17, encontramos que é recomendável não se alegrar com a queda do inimigo e mais ainda, não deixar o coração encher de felicidade quando ele tropeçar.  


Em terceiro lugar, por mais que o governo norte-americano se esforce em explicar que a ação militar perpetrada no domingo 1º maio que resultou na morte do líder da organização terrorista não se enquadra em um ataque ao Islamismo, fica a sensação de que de fato há um importante ingrediente religioso no desenvolvimento e nas consequências que a luta contra o Terrorismo está gerando. Curiosamente os grupos em confronto de crença religiosa distinta, invocam o nome de “Deus” para agradecer as vitórias ou para jurar vingança. 


A Inglaterra, a Espanha, a Itália e os EUA, entre outros países, têm lidado com a difícil questão de interpretar e decifrar as consequências sofridas com os ataques terroristas dos fundamentalistas islâmicos nessa primeira década do século XXI. Por isso, é importante ver qual tem sido o posicionamento das igrejas cristãs em cada um desses países, e assim verificar a reação do Cristianismo Ocidental diante da guerra contra o Terrorismo Internacional que está em curso e torna-se cada vez mais próximo da nossa realidade.  


Capela de St Paul's em Manhattan no 11/9


Nos chama a atenção as declarações feitas por parte dos diferentes Clérigos da Igreja Episcopal dos EUA (The Episcopal Church) durante a semana após a morte de Osama bin Laden. O Bispo Herman Holerith, da Diocese da Virginia do Sul, disse que a morte de ninguém é para ser comemorada, mas acredita que a justiça foi feita. Para o Bispo Mark Beckwith, da Diocese de Newark, a justiça pode envolver violência e a vingança é sempre dirigida pela violência. Por sua vez, o Bispo Steve Lane, da Diocese de Maine, argumentou que toda pessoa, por mais pecadora que seja, é filha de Deus por quem Jesus Cristo morreu. O Reverendo Ed Bacon, Reitor da Paróquia de Todos os Santos em Pasadena, Califórnia, declarou que a morte de Bin Laden representou um importante momento de reflexão e oração para as pessoas que desejam a paz no mundo. O Deão da Catedral Nacional, em Washington, Reverendíssimo Samuel T. Lloyd III, disse lamentar a necessidade do assassinato, mas compartilhava da sensação de alívio de um mundo sem Osama Bin Laden.  Por fim, o Bispo Nathan Baxter, Diocese da Pensilvânia Central, disse que apesar de entender o desejo de comemorar a morte de Bin Laden, pediu cuidado para não perder o foco da promoção da paz e da política de guerra contra o terrorismo[i].


O interessante é ver como alguns princípios do Cristianismo são confrontados com eventos de enormes proporções internacionais que envolvem não somente os Países como também as pessoas com crenças religiosas divergentes. No final de contas, até que ponto se deve “amar” o inimigo ou até que ponto comemorar a “justiça” quando ela está embriagada de vingança? Se o Cristianismo é a religião da Paz, da Partilha do pão e do vinho e da prática do Amor ao próximo, qual seria a sua reação quando os valores ocidentais como Direitos Humanos, Democracia, Liberdade Ideológica e de Expressão e Livre Comércio são rejeitados e atacados pelos grupos terroristas do fundamentalismo islâmico?



Por tanto, o Cristianismo deve buscar respostas conciliadoras para evitar um aprofundamento de antagonismo civilizacional com relação ao Islamismo[ii]. A nossa Comunhão Anglicana deve se posicionar contundentemente com relação à luta contra o Terrorismo e se preparar para dar opinião influente nos momentos conjunturais históricos. O alcance global do Anglicanismo e o seu posicionamento na temática será importante na medida em que a Inglaterra, os EUA e qualquer outro país de maioria Cristã ou não,  seja alvo de possíveis ataques terroristas no futuro.  


* Dr. David Morales, é professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba e membro da Paróquia da Santíssima Trindade, em São Paulo.  Email davidmorales.ri@gmail.com  


*Ver também A Comunhão Anglicana e as Temáticas Nucleares


[i] Agência de Notícias da The Episcopal Church, disponível em:  http://www.episcopalchurch.org/79425_128223_ENG_HTM.htm . Acesso em 06.05.2011.


[ii] Na Conferência de Lambeth 2008, onde estavam presentes bispos (as) anglicanos (as) de todo o mundo, chegou a afirmar timidamente que “[...] as igrejas locais contextualizem a sua fé de tal forma que o Cristianismo não seja mais visto como uma Crença do Ocidente, especialmente nos casos em que é a religião minoritária. Isto é particularmente importante no contexto da ‘guerra contra o terror’”. Disponível em: http://www.lambethconference.org/resolutions/downloads/documento_de_reflexiones.pdf . Acesso em 06.05.2011