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Mobilizações populares e o papel da igreja

 

Por André Cardoso*

André CardosoRecebemos nestes dias diversas notícias pelos jornais, televisão, rádio e internet sobre como a economia brasileira tem crescido, o quanto de empregos tem surgido, as diversas notícias saudando-nos que seremos os anfitriões de um dos maiores eventos internacionais, a Copa do mundo, atraindo muitos investimentos e muito mais crescimento para o nosso país.
São ótimas notícias, pois é bom saber que com a economia indo bem, melhor vai a vida do povo, que receber a Copa do mundo no país do futebol é mais lindo ainda, ter a oportunidade de ser hexacampeão em casa, imagina. Contudo, ao olhar mais de perto a realidade brasileira, entendemos que as boas novas anunciadas pelos jornais ainda não chegou ao cotidiano de grande parte de nosso povo.

 
Comecemos pelas grandes obras da Copa que tem sido feitas até agora, por trás das imensas máquinas que perfuram o chão e levantam grandes vigas de metal e concreto, encontramos os trabalhadores e trabalhadoras da construção civil que fazem tudo acontecer. Quando olhamos as condições que trabalham conseguimos levantar algumas conclusões: o salário que recebem é um dos menores do Brasil, mal dá para se sustentar, muito menos sua família, isso para os que têm carteira assinada que são apenas 28% dos trabalhadores, segundo o IBGE, a grande maioria, 72%, trabalha na informalidade, sem possibilidade de desfrutar no futuro de uma aposentadoria justa, sem um fundo de garantia que permita se recuperar no caso de algum acidente de trabalho.

Compa do Mundo e Religião

Os problemas são ainda maiores, pois trabalham em jornadas acima do permitido por lei, as condições em que vivem (os canteiros de obras) são terríveis, já foram encontrados casos em que nem água potável eles tinham para beber, condições semelhantes ao trabalho escravo. Tudo isso dentro das grandes obras que vão gerar e já tem gerado enormes riquezas para o país, mas que país?


Muitos dirão que a solução para estes é a educação, basta se formar que terão melhores condições de trabalho, já que os empregos têm aumentado, podendo até ser professores. Pode até ser que tenham mais oportunidades mesmo, mas olhemos de perto para como estão nossos professores e professoras das escolas estaduais e municipais, que são os profissionais contratados pelo Estado para cumprir seu dever de dar educação a todos sem distinção. Mesmo sendo tão importantes para o país os professores não são valorizados, com salários baixos (R$ 765,00 em Minas Gerais, para citar um exemplo), salas superlotadas porque não há verba suficiente para melhorar as condições da escola, os professores vem adquirindo muitas doenças fruto desse quadro de abandono, sem a garantia de um salário justo que possibilite sua sobrevivência.


Estes dois casos são um exemplo de tantos outros que ocorrem no país na produção de riquezas, mas para beneficiar poucos, pois quem terá condições reais de assistir um jogo do Brasil com os preços exorbitantes dos ingressos que será praticado na copa do mundo, isso é só um exemplo da falta de acesso a algo que vem do povo, mas não volta para ele, o futebol. Famílias sendo despejadas e colocadas na rua sem garantia nenhuma para dar lugar a monumentais obras; trabalhadores bancários sofrendo de doenças provenientes de stress e pressão; jovens das periferias tentando um lugar ao sol, ao tentar ingressar nas universidades públicas e descobrem que “não há vagas” para eles, mas só para os filhos dos poderosos; metalúrgicos tendo que aumentar a produção, colocando em risco seus dedos e pior, sua vida, entre tantos outros exemplos que são infindáveis.


Por conta de todos estes problemas também recebemos as notícias de muitas agitações nas ruas, professores, bancários, metalúrgicos, estudantes, trabalhadores e trabalhadoras do comércio e serviços, indo às ruas para dizer a todos que alguma coisa está errada, para dizer que todo o crescimento não tem revertido em melhores condições de vida. Eles saem às ruas para denunciar a exclusão/expulsão que sofrem, para exigir que seus direitos sejam respeitados.


Em março deste ano, 170 mil trabalhadores da construção civil pararam de trabalhar, denunciando as condições precárias de trabalho que viviam, pedindo condições dignas de trabalho e um salário justo ao verem o lucro das grandes empresas. Professores de diversos estados também pararam (fizeram greve) para reivindicar os seus direitos, para reivindicar uma educação pública de qualidade para todos, junto as estes milhares de estudantes também pararam para juntos com os professores exigirem o que é justo.


As manifestações, greves e mobilizações nas ruas são uma forma dos grupos que sofrem com a injustiça reivindicar seus direitos e pedir que sejam respeitados e ouvidos na sociedade, pois são os verdadeiros construtores do país. As desigualdades ainda são gritantes e precisam ser denunciadas.

 
Qual é o papel da igreja diante de toda essa realidade apresentada? Somos uma comunidade reunida por um objetivo em comum, ser discípulos de Cristo, expressando o Reino de Deus, de Justiça e Verdade no mundo, estamos inseridos nele e por isso encontramos todas essas contradições na igreja que é constituída por muitos membros que fazem parte desses diversos grupos da sociedade.


O profeta Isaías ao exortar o povo Deus de suas faltas apresenta os fundamentos do serviço a Deus: aprender a fazer o bem; procurar a justiça repreendendo o opressor; lutar pelos direitos do órfão e defender a causa da viúva. Estes dois últimos eram a representação dos necessitados em sua época. A nossa fé é provada nas ações práticas como mencionadas pelo profeta e o amor, da mesma forma, não é um sentimento abstrato, mas uma ação que materializa a Justiça e a Verdade.

 
Somos desafiados, enquanto comunidade de fé, a intervir em nossa realidade, o aprendizado do bem só se dá na prática. A busca incessante pela justiça é uma das bem-aventuranças que Jesus menciona no Sermão do Monte, sua concretização também é a negação de toda forma de opressão e exploração contra todo ser humano. Não é uma tarefa fácil para nós, as estruturas da injustiça estão enraizadas por toda a parte, sem perceber, muitas vezes nós mesmos nos pegamos concordando com aqueles que dizem que esses protestos são de um bando de arruaceiros, obscurecendo a legitimidade da luta.


A bíblia também diz que a paz, tão almejada por nós, é fruto da justiça, quando esta for o centro de nossa sociedade, veremos a paz reinar, enquanto isso, nossa oração e ação deve ser a busca dela e a condenação de todas as desigualdades existentes. Com as mãos dadas em fé e amor a todos esses grupos, independente da religião ou credo que cada um professa, devemos seguir, como diz o profeta Amós, “até que a justiça corra como um rio que não cessa.”


Que Deus nos dê força e esperança nessa jornada.

*André Cardoso: economista, membro da REJU e participante e membro da Paroquia Anglicana da Santissima Trindade.