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“Viver com AIDS é possível. Com o preconceito, não”


Palavra Pastoral


Qual o Papel da Igreja em relação às Pessoas que Vivem e Convivem com HIV/AIDS?


Resposta pastoral sobre Enquete


“Viver com AIDS é possível. Com o preconceito, não”


Tema do Programa Nacional 2009


 


 


São Paulo, 1º de dezembro de 2009


Texto Base em Mateus 25:31-46


 


            1º de dezembro é o Dia Mundial de Luta Contra AIDS e tem como objetivo mobilizar a sociedade no enfrentamento da epidemia do vírus HIV.  O Ministério da Saúde do Brasil escolheu para esse ano o tema “Viver com AIDS é possível. Com o preconceito, não”. A primeira parte desse tema pode ser explicada, pois com a terapia através de antiretrovirais aumentou-se a expectativa de vida dos portadores do vírus HIV/AIDS. Isso muda a idéia de sentença de morte imputada às pessoas que haviam contraído o vírus HIV.  Hoje é possível aos portadores do vírus viverem com qualidade de vida, em decorrência da adesão ao uso de medicamentos e pela adoção de hábitos saudáveis de vida, como por exemplo, na escolha de uma boa alimentação, nos cuidados com a saúde e na prática regular de exercícios físicos. Os cuidados com a prevenção devem continuar os mesmos para toda a sociedade em toda relação sexual deve-se usar o preservativo.


            Na verdade se hoje é possível viver com AIDS, não diríamos o mesmo em relação ao preconceito da Sociedade, em especial o preconceito vindo da Igreja. O preconceito da Igreja contra as pessoas que vivem e convivem com HIV/AIDS em nada contribuiu em todos esses anos para o combate contra o vírus. O preconceito, pelo contrário, isola as pessoas, maltrata ainda mais o portador além de favorecer o aumento de casos da doença. O preconceito estimula os fiéis esconderem sua soropositividade, pois sabe se for revelada trará prejuízos para sua posição no espaço da comunidade de fé.  Relações baseadas no medo não são relações saudáveis e não refletem em nada o Evangelho de Jesus Cristo.


            Jesus Cristo por ter sido solidário aos seus pequeninos pagou o preço de ser chamado pecador, tornando-se vítima da violência do sistema religioso, social e político de seu tempo. Os pequeninos nada mais são que os excluídos pela sociedade e religião da época de Jesus. Hoje depois de tantos anos, continuamos afastando os pequeninos das comunidades de fé. Jesus Cristo não se identificou apenas com os excluídos de sua época e da sua região, mas com os excluídos de todos os tempos e lugares. Certamente em nossos dias Ele se identificaria com os próprios portadores do vírus HIV. Os que seguem a Jesus Cristo devem repensar suas atitudes preconceituosas e excludentes, pois poderão ouvir da boca do Rei: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; sendo forasteiro, não me hospedastes; estando nu, não me vestistes; achando-me enfermo (possivelmente com AIDS?) e preso, não fostes ver-me” Mateus 25.41.


            A Igreja como promotora da vida deve levar o abraço fraterno de Jesus Cristo às vítimas da epidemia através de duas ações concretas e interligadas:


1º- Trabalhar com pronunciamentos pastorais abertos e educativos direcionados ao fiel, à sociedade e ao governo.


2º- Estimular nos Seminários e nas Casas de Formação a produção teológica que trate do problema. Isso possibilitará orientações claras para as lideranças clérigas e leigas que poderão levar o assunto junto às suas respectivas comunidades de fé.  


             A Paróquia da Santíssima Trindade desde 2006 quando resolveu tratar do assunto encontrou dificuldades e desafios. Por estar localizada no Centro da Cidade de São Paulo, um contexto urbano extremamente eclético, nossa comunidade deixou de lado o PRECONCEITO e escolheu a VIDA. Com extremo cuidado pastoral tivemos que preparar a comunidade para lidar com temas complexos relacionados com a AIDS: relação de gênero, desigualdade social, questões políticas, estigma/tabu, relações de poder entre casais, a diversidade sexual, direitos humanos, entre outros não tão populares em muitas Igrejas.            Outra ação da Paróquia, tão importante quanto à primeira, foi avaliar os textos bíblicos utilizados como pretexto para condenar as pessoas que foram infectadas pelo vírus HIV. Por respeitar e compreender as influências teológicas de nossos paroquianos e paroquianas escolhemos aprender sobre a temática e assim pudemos crescer juntos nesses anos “... na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” II Pedro 3.18.  O preconceito e a intolerância são justificados na Igreja através de textos bíblicos impróprios.  Com muito cuidado pastoral, apelamos para uma pesquisa exegética e hermenêutica desses textos procurando desconstruir os argumentos teológicos. Ao mesmo tempo, trouxemos e ensinamos com base nas Escrituras Sagradas trechos que são favoráveis a vida, a solidariedade, ao perdão.  


            Todos os anos recebemos na Paróquia para aconselhamento pastoral pessoas que vivem e convivem com HIV/AIDS. Elas nos procuram, pois sabem que encontrão um ambiente favorável na comunidade para serem ouvidas e respeitadas. Dentre elas, algumas, se tornaram fiéis anglicanos, encontrando espaço para exercer sua vocação, pois “ser portador do vírus HIV” não é motivo de impedimento para liderar ou trabalhar na Igreja. O vírus do HIV/AIDS é apenas um fato na vida dessas pessoas, pois seus dons são infinitivamente maiores do que a doença.


            Uma ação pastoral séria e comprometida deve levar no mínimo todas essas questões. A estrutura eclesial não pode ser tão rígida ao ponto de não se adequar as necessidades locais. Nossas pastorais foram criadas a partir da urgência do meio onde nos encontramos. Lamentamos se nosso jeito de ser igreja escandaliza ainda hoje nossos irmãos e irmãs da fé.


            As pastorais são conseqüência daquilo que aprendemos em nossos Seminários com nossos Mestres e Bispos. Levamos a sério o ensino das Escrituras Sagradas, os valores da Tradição e as possibilidades da Razão. Amamos a Tradição da Igreja, mas não devemos confundir os valores dela com o tradicionalismo irracional. A Igreja Anglicana incorporou o Princípio Protestante para justamente romper com as estruturas extremamente letais para a vida teológica e pastoral. Assim como no passado da Reforma Protestante, estendemos nossas bandeiras do NÃO para os dogmatismos contrários à Palavra de Deus (relativos, mutáveis, humanos) e escolhemos o SIM para a revelação contínua e libertadora, em total sintonia com as Boas Novas de Jesus de Nazaré. Isso sim é afirmar que somos uma Igreja Reformada, Sempre Reformando. 


            Desejamos destacar o papel do Movimento Ecumênico como espaço profético das Igrejas Cristãs em favor dos excluídos. Graças ao Movimento é que pudemos pensar fora de alguns paradigmas teológicos excludentes e buscar soluções para os problemas. Recorremos à produção teológica dessas instituições para nos ajudar a pensar dentro de nosso contexto eclesial.  Também buscamos aprender com as experiências pastorais ecumênicas para saber como é lidar dentro da comunidade com assuntos tão delicados. Com esse suporte inicial demos um grande salto que foi conversar diretamente com as instâncias governamentais e movimentos sociais que trabalham com a temática do HIV/AIDS. Nossa teologia, em diálogo com essas entidades nos levou a uma resposta pastoral relevante e respeitada em São Paulo.         Enquanto éramos ignorados ou criticados por setores da Igreja, recebíamos palavras de incentivos de fiéis/clérigos/bispos, suporte contínuo de entidades ecumênicas e reconhecimento nos espaços extra eclesiais que lutam contra AIDS (ONGS e Governo).


            Tudo o que é novo desperta em nós muitas inseguranças. Não devemos temer em tratar abertamente desse e de outros temas. A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) precisa multiplicar os esforços já desencadeados pelas lideranças pastorais solitárias. Muitas delas são leigas que trabalham sozinhas em todo o país. Elas precisam de mais apoio e atenção de seus pastores e pastoras. Trazemos conosco certa preocupação quando olhamos a nossa Igreja no Brasil: a fase de extremo fundamentalismo dentro do anglicanismo parece inibir ainda mais a evolução da discussão desses temas. Sabemos de algumas iniciativas diocesanas na discussão sobre AIDS, mas são frágeis por não tratar a fundo de todos aqueles temas principais envolvidos.


            Não seria o momento de articular uma Rede Provincial Anglicana de Combate a AIDS tal como proposto pelo nosso Bispo Primaz Dom Maurício Andrade em sua Carta Pastoral de 2006? Ver: http://www.ieab.org.br/documentos/AIDS06.pdf . Devemos combater o isolamento da IEAB diante da epidemia através da integração de todos os esforços no combate a AIDS em nossas Dioceses.


            Que Deus nos ajude a colaborar nessa luta através de nossa riqueza teológica e pastoral no País e juntos possamos ouvir naquele Grande Dia as palavras do Rei: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me” Mateus 25.34-36. Amém.


 *Reverendo Arthur Cavalcante é Reitor da Paróquia da Santissima Trindade, Diocese Anglicana de São Paulo.